quinta-feira, 12 de novembro de 2015

seguia, curtia, compartilhava. fã contumaz, assediava sem melindre todos os artistas que não estavam ao seu alcance. fazia zun-zun em redor deles. quanto aos que eram amigos, acompanhava com sobriedade. conhecia os seus podres o bastante para tratá-los sem nenhuma idolatria.
enquanto no cd o pop voga de vento em popa de A a Z,
na velha vitrola a bala na agulha arranha o lado B.
Sexta-feira. Solidão ensolarada em São Paulo. Na sala de cinema, o ar condicionado conforta quando a comédia comum resseca o riso. Ali do lado, pessoas esquisitas dobram com muita pressa a esquina da Paulista com a Consolação. Querem chegar mais cedo, não sei onde. No ponto de ônibus, coisas absurdas acontecem a rigor. Tento ser gentil com mais um maluco que não sabe para onde vai, mas também quer chegar. Ele me olha desconfiado e pergunta:
- Você vai gravar minha voz nesse celular aí?
Sorrio meio espantada e respondo que não, só queria ajudar. Ele me olha quase com raiva e retruca:
- Ajudar?! Todo mundo ajuda... tirando o sangue da gente - diz apontando para a veia, e cuida em sentar sozinho num canto da calçada.
Sexta-feira. Demasiado calor, extrema solidão. Aos frágeis, veneno letal.
(16.10.15)
dias em que me agrada ser senhora. chamada de senhora, tratada como senhora. bom dia, senhora. por favor, senhora. posso ajudá-la, senhora? a senhora está muito bem pra sua idade... ao que parece, meu filho. noites em que a senhora só quer ficar no sossego. sem remorso, sem retratar-se. sem angústia ou bolero. dias em que a senhora não suporta uma noite em claro, às cegas. brilho, barulho, multidão, alvoroço. tardes em que a senhora me guarda. deito em seu colo e me deixo. com todo respeito.
Puxou a ambrosia da sacola e ficou olhando o doce com uma expressão sorridente. Guardou de novo com cuidado. Sentou do meu lado com um cheiro de perfume que lembrou minha infância (tempo em que minha mãe foi revendedora da Avon e os nomes de perfumes estrangeiros com pronúncia duvidosa invadiram minha memória afetiva). O pedreiro de banho tomado e camisa abotoada agora vai para casa, provavelmente ao encontro da esposa. Talvez ela o espere com fragrância de Charisma ou Sweet Honesty. Na pior das hipóteses, cheirando a tempero ou bumbum de bebê. Cheirinho bom, de família.
AUTO-AJUDA: só você está sempre (?) disponível para você mesmo.
Foi uma briga de galos? Não, de gangues. Não, de ogros. Não, de cegos. Não, de bagos. Foi uma briga de egos.
os jovens intelectuais esnobes não sabem que pernóstico é só um palavrão cheio de pernas. e que simples não é o mesmo que tosco. e que há braços para ajuntar sem hércules.