quarta-feira, 25 de junho de 2014

Não confie em ninguém que use pseudônimos. Nem paráfrases.

(Ludmila Santovski)
- o poeta é um ressentido, e o mais são nuvens - repetiu pela enésima vez a célebre frase, cerrou todas as fenestras. vencida pela sombra que quase mostrava e mais escondia, assumiu a absoluta escuridão. 
- se não for grande, serei nada - decretada a decisão tardia, sumiu no vão.
A Terapia do Esporro

Eu só queria comprar meu tarja preta, com receita médica, dentro da legalidade, tudo certinho. 
Entro na farmácia com minha irmã. Apresento a receita ao atendente, que pede autorização da farmacêutica. Ele vem e me entrega uma caixa do remédio.

- Mas na receita tem escrito duas caixas - reclamo, começando a sair da casinha.
O rapaz olha pra farmacêutica como quem diz "eu não tenho nada com isso". Ela, com uma cara de bunda, diz que não entendeu a letra da médica (no caso, o número) e que por isso só liberava uma caixa.
- Mas são duas caixas, ela costuma fazer assim pra eu não ter que consultar todo mês.
- Como é que eu vou saber? - diz ela com ironia, abusando do seu pequeno poder.
- Liga pra médica e pergunta, tá duvidando de mim? - retruquei, já emputecida com a má vontade da mulher de branco.
- Eu não entendi como duas - insistiu, deixando claro que não daria o braço a torcer. 

- Então você é analfabeta - (boa, Virgínia), diz minha irmã entrando na briga.
A essa altura meu sangue fervia. Mostrei pra ela que não se deve contrariar quem usa tarja preta:
- Vá à merda, sua estúpida! Ainda não tomei meu remédio hoje, e você acaba de perder uma cliente que faz uso de remédios caros e #@&#%$( - eu falava bem alto pra farmácia inteira saber quem era a doida ali. Só me arrependi de não ter mandado a vaca tomar no cu.


Quão libertador é o palavrão, Senhor!
Pra você também

Desci do ônibus e fiquei andando a esmo pela Praia Grande, nosso centro histórico. Um flanelinha me abordou, educadamente, pedindo um trocado. 
- Não tenho - respondi - vou ali tomar um suco e depois volto. 
- A senhora pode trazer um pouquinho de suco pra mim? - perguntou sorrindo. Claro, respondi que sim, também sorrindo ante aquele jeito quase pueril do rapazinho. 
- Não vá esquecer, hein?
- Não, não esqueço, pode esperar.
Voltei com o suco de graviola e disse: - Viu? Sou uma mulher de palavra.
Ele sorriu novamente e agradeceu.
- Feliz ano novo!
- Pra você também!

Duas horas depois cruzei com ele outra vez, que me disse, sempre sorridente: "Gostei da senhora". Achei muito bonitinho. Sou pedestre, logo ele não tinha nenhum interesse em me agradar. Foi apenas uma troca simpática de gentileza. Tão simples, tão rara.


é rito. silêncio, discrição, arrulho, calmaria, cala. é rito. fala, turbulência, ebulição, barulho, grito. é rito. no ato que fica no verbo que vai. é rito que comunica. refaz.
eu danço ela puxa o meu tapete. eu brinco ela me passa rasteira. eu criança ela rouba o meu sorvete. eu rio ela desafia meu humor doce. eu creio ela desfia um rosário de teias. eu teimo ela me lança ao contrário da enseada. senhora austera e traiçoeira: dona Dor - desdentada e feia.
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